A “FUGA” DE COTRIM E O COLAPSO DO LIBERALISMO

 

– Quando é que finalmente se reconhecerá que, hoje, no mundo ocidental, somos todos liberais? E que – por paradoxal que tal possa parecer – tal facto coincide com o fim do ciclo económico liberal que marcou as últimas décadas, seja ele dito liberalismo clássico, neo-liberalismo ou ultra-liberalismo?

–  O paradoxo vem de que a realidade liberal – que Marcel Gauchet designou como o “facto liberal” -, entendida como uma imperativa, radical e sempre crescente exigência de mais autonomia e de mais liberdade das sociedades, e sobretudo dos indivíduos, se disseminou por todo o Ocidente, tornando-se inquestionavelmente dominante e sem rival à vista.

– Um dos efeitos deste facto foi a progressiva erosão das ideologias, de todas elas, sem excepção. Que, para sobreviverem, tiveram que – embora sem o assumir – se tornar liberais: apareceram assim o social-liberalismo, o conservadorismo liberal, a esquerda e a direita liberais, etc…

– Mas há aqui uma distinção fundamental a traçar, que nunca é feita. É que uma coisa é o liberalismo como doutrina (ou facto) no sentido acima indicado. Outra, bem diferente, é o liberalismo económico, seja qual for a sua variante.

– E o paradoxo deve-se a que a consagração global da doutrina, ou facto, liberal, se deu paralela e simultaneamente ao colapso da sua matriz económica. Está aqui, a meu ver, a raiz da enorme desorientação, tantas vezes a raiar o mais completo “non sense”, da política actual.

– O caso do estrondoso fiasco de Liz Truss, em Inglaterra, tornou de resto esta situação numa evidência, que sem dúvida fará data: a do fim do ciclo liberal económico, que actualmente perde no seu histórico – mas muito ficcional, note-se – confronto com o Estado.

– Que Estado lá virá, não sabemos…E nesta “era das geringonças” políticas, que cada vez mais tomam o lugar e a função das antigas ideologias, o futuro é uma grande e muito problemática incógnita, que por isso deveria merecer toda a nossa atenção.

– Pensar Isto é que é urgente e decisivo para o nosso futuro, pouco interessa a “fuga” de um dirigente inesperadamente apanhado no assumido deslumbramento (como aconteceu com Cotrim de Figueiredo) com as ideias de Liz Truss, e nas contradições fatais de um liberalismo que, apesar de “culturalmente” triunfante, vive sem apelo a sua fase declinante em termos económicos.

– Daí que não seja de espantar que a “Iniciativa Liberal”, em crise de liderança, balance agora (segundo o Público de 26 de Outubro) entre um liberalismo mais conservador e um liberalismo – imagine-se! – “mais pop”…

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