– A hipocrisia e o cinismo não são traços que se excluam, mas também não se confundem. Partilham, contudo, uma característica comum: a duplicidade. Foi o que me ocorreu ao ler a entrevista que António Costa deu à CNN/Portugal no dia do seu 1º aniversario, onde afirmou – para meu espanto e perante o silêncio geral dos media, sempre anestesiados com os mais irrelevantes “fait-divers” – o contrário de tudo o que tem, ora dito ora insinuado, sobre matéria europeia, nomeadamente no que se refere ao contexto criado pela invasão russa da Ucrânia.
– Talvez Costa tenha lido o meu último livro – que naturalmente lhe ofereci e que ele entretanto agradeceu -, se me é permitida a ironia… É que Costa diz nessa entrevista o contrário do que a “vulgata” europeia (sob a batuta duma cada vez mais desnorteada Ursula van der Leyden, mas isso tem que ficar para outra vez) nos tem imposto sem qualquer noção das suas consequências, “vulgata” a que Costa se tem submetido sempre com tranquila docilidade.
– Ora, segundo o despacho da Lusa, amplamente difundido e em nenhum ponto desmentido, o que agora António Costa afirmou naquela entrevista é bem diferente:
– Costa assume-se contra o alargamento da União Europeia, afirmando que “não há condições nem institucionais nem orçamentais” para que ele se possa fazer;
– Costa diz que “a União Europeia não tem condições para cumprir as expectativas que agora está a criar.;
– Costa considera tais expectativas meros “gestos políticos de ocasião”;
– Costa antecipa um “efeito de ricochete” e um enorme drama” como consequência das frustrações das expectativas entretanto criadas.
– Costa pensa que a União Europeia tem que se reestruturar profundamente. Isto, se não quiser implodir por força das adesões”;
– Costa defende uma “Europa com geometrias variáveis”.
– Podíamos continuar, mas o essencial está aqui. Todas as citações são da transcrição da Lusa e, repito, nenhuma foi desmentida. Estando de acordo com quase tudo o que ele afirma, só lamento que ele tenha deixado de fora as decisivas questões da segurança europeia (e do seu respectivo e imprescindível orçamento) e da “soberania europeia”, bem como a urgente questão de fixação das suas fronteiras, que ponha fim à gelatinosa definição geográfica da União Europeia, raiz de tantos e tão complexos problemas actuais.
– O que é incontroverso, é que estamos perante uma contradição, ponto por ponto, entre as afirmações agora feitas por António Costa e o que ele tem sempre, explicita ou implicitamente, afirmado sobre estas questões, tanto no espaço público português como – tanto quanto se sabe e a julgar pelas suas declarações finais nessas ocasiões – no Conselho Europeu.
– Excluindo que se trate de uma inaceitável duplicidade, entre o cinismo e a hipocrisia, imprópria de um chefe de governo por muitas “bazucas” imaginárias que estejam em jogo, aguardemos, pois, que António Costa assuma estas “heterodoxas” posições nas instituições europeias e em jornais e televisões com projeção internacional.
– Estou certo que, no Die Welt ou no The Guardian, no Le Monde ou no The Washington Post, ou ainda na BBC ou na CNN Internacional, não lhe faltará palco para tornar claro o que agora diz que pensa – contribuindo desse modo para abalar a “vulgata” europeia que nos está a atirar para um inevitável pesadelo no imediato e para um desastre a breve prazo.