. Os discursos da posse do novo Governo, quer o do primeiro-ministro quer o do Presidente da República, foram um carrossel de previsíveis banalidades. E o “comentariado” que se lhes seguiu saltou logo para o carrossel numa larachada que – com duas ou três excepções – nada teve de analítico ou prospectivo, tudo se resumindo a uma ruminação politiqueira de ditos e reditos.
. Falam, falam, falam, não porque tenham realmente algo a dizer, mas porque são pagos para ocupar, no sentido mais preciso do termo, o tempo catódico que lhes é concedido para – como há anos explicou Frédérique Lay, então presidente da TF1 francesa – tornar os “cérebros dos espectadores disponíveis” para os momentos publicitários, os únicos que na realidade interessam às estações televisivas.
. Porque o que há a dizer sobre a situação política é muito simples: ou o Governo se aguenta, se impõe nas sondagens e consegue ganhar as próximas eleições europeias do próximo dia 9 de Junho com uma margem mais robusta do que a que teve nas legislativas – e nesse caso “tudo é possível -, ou não o consegue e só lhe restará arrastar-se até um fim tão próximo como inexorável. E é tudo, na verdade, que mais há a dizer? O único imprevisto, a meu ver, pode vir da guerra que se anuncia do CHEGA com Marcelo Rebelo de Sousa…aqui a incógnita é de facto grande.
. Entretanto, o “debate” sobre o serviço militar só veio confirmar o estado – afinal talvez tão mau, ou pior, que o da política – do nosso “comentariado”. Foram conversetas, umas atrás das outras, de um paroquialismo patético, sem uma palavra sobre as incontornáveis condicionantes europeias na matéria, sem qualquer referência a estratégias fundamentais (de defesa, de equipamentos, de tecnologias, de alianças, etc.) e, sobretudo, sobre as implicações sociais e económicas de uma eventual re-militarização do país ou da Europa, que seriam inevitavelmente as de um novo colossal, bem maior do que o de Vítor Gaspar, aumento de impostos.
. Será preciso lembrar que só há Estado Social na Europa porque se deixaram todas as despesas com a sua segurança e defesa para os Estados Unidos, que desde Barak Obama tentam diminuir esse fardo? E que no dia em que essa, digamos, “herança” da Segunda Guerra Mundial e da Guerra Fria que se lhe seguiu acabar, e em que a Europa tiver de assumir integralmente a sua defesa, o Estado Social europeu entrará em colapso?
. Percebe-se bem que o que o actual delírio militarista pretende é, por um lado, disfarçar os impasses e fracassos europeus e da Nato na Ucrânia, com as graves consequências que se começam a antecipar. Leia-se a propósito, no Público de ontem, 5 de abril, o oportuno e sagaz artigo “O que é vencer a guerra na Ucrânia?”, de J. M. Teixeira Fernandes, que continua a revelar-se um analista único da situação decorrente da invasão da Ucrânia pela Rússia em Fevereiro de 2022. E, por outro lado, que todos os poderes apostam agora na estratégia do medo, certos do efeito de domesticação dos seus inquietos e irrequietos povos, lição que aprenderam com a gestão da pandemia do covid-19. Veja-se o caso do Presidente francês E. Macron que, quanto mais dificuldades internas tem, quanto mais os estudos de opinião lhe são adversos – e eles são-lhe brutalmente adversos – mais fala de ameaças externas, mais insiste em bravatas bélicas e mais defende a re-militarização da Europa.
. Neste confuso contexto, nada melhor do que ler o último livro de Emmanuel Todd, La Défaite de l’Occident, onde se mostra como a enorme crise demográfica russa é já uma das suas grandes dificuldades na invasão da Ucrânia, e como ela bloqueia qualquer eventual ambição expansionista. É também aconselhável a leitura do livro de David Teurtrie, Russie – le Retour de la Puissance que, note-se, é de 2021, anterior à invasão russa da Ucrânia, está lá quase tudo o que era fundamental saber para se compreender muito do que se seguiu.