- . A transformação em curso do populismo europeu já tem nome – pós-populismo, e ele deve-se a Thibault Muzergues, que acaba de o baptizar com o livro Post-populisme – la nouvelle vague qui va secouer l’Occident.
- . A designação revela duas coisas: que há cada vez mais quem compreenda que se está a lidar com algo de efectivamente inédito, novo, no panorama político ocidental, e que é importante tentar compreendê-lo com novas abordagens e novos conceitos. Mas também revela que ninguém sabe muito bem o que lá vem, o que o título do livro na verdade reconhece ao apontar para uma genérica “nova vaga que vai abalar o Ocidente”, mas cujas características a leitura das suas 249 páginas não consegue definir, apontando para alguns traços sem dúvida pertinentes – voltaremos ao assunto – , mas insuficientes para se perceber em que consiste essa tal vaga.
- . Esta é, de resto, uma das características de todos os prefixos “pós” que, nas últimas décadas, se multiplicaram a um ritmo intenso – pós-verdade, pós-democracia, pós-feminismo, pós-racial, etc. -, desde que em 1977 o teórico da arquitectura Charles Jencks cunhou o primeiro “pós”, com a expressão “pós-moderno”. Mas o que desde então se foi tornando cada vez mais evidente, foi que o uso deste prefixo traduz sobretudo a confissão da dificuldade, ou mesmo da incapacidade, de caracterizar com rigor um fenómeno, uma fase ou uma época. E não será por acaso que a inflação deste prefixo cresceu a par com o eclipse de valores e de referências que permitissem enquadrar e definir o tempo das novas expectativas e experiências, tanto individuais como colectivas, que entretanto se multiplicaram por todo o mundo.
- . O que aconteceu foi que desapareceram os “ismos”, muito ligados a utopias e ideologias, e sempre focados no futuro. E que eles foram substituídos pelos “pós-“, que se fixam num presente interminável, elástico, ancorados num passado que se mantem afinal como a única referência estável e partilhável, ainda que cada vez mais vazia à luz de um tempo novo, cheio de inesperadas singularidades, mas que ninguém consegue definir de um modo minimamente preciso e consensual.
- PORTUGAL BIPOLAR? – Ao mesmo tempo que as ruas se encheram de multidões festivas no dia 25 de Abril, os estudos de opinião publicados na ocasião dão um retrato do país bem diferente, desiludido com os resultados obtidos nestas últimas décadas. Assim, o Europeran Social Survey, avaliando o estado de espírito dos portugueses a partir de onze critérios, só identifica dois em que a satisfação é maior do que a desilusão: nos que se referem à realização de eleições livres, por um lado, e à liberdade para se poder criticar livremente o poder, por outro. E no podium da desilusão fica – o que é muito grave, mas não surpreende – a justiça.
- . E o mesmo também se lê numa sondagem da AXIMAGE divulgada na véspera do 25 de Abril, que refere que só um terço dos portugueses acredita que a sua vida poderá melhorar nos próximos tempos. E nesta sondagem espreita um preocupante, mas previsível, descontentamento maioritário com a democracia, que cresce no sexo feminino e nos jovens. (O que está em sintonia com a queda de 18 lugares – de 8º para 26º, entre 2019 e 2023 – da democracia portuguesa no ranking mundial das democracias, divulgado em Março pelo V-Dem Institut, da Universidade de Gotemburgo). A opinião sobre os políticos afunda-se em valores muito negativos, quase nos 70%, e no podium dos problemas mais graves aparece de novo, agora acompanhada pela habitação, a situação da justiça.
- . Esta “bipolaridade” devia fazer pensar os políticos, tanto os do governo como os da oposição, sobretudo num momento em que o país parece ficar refém de lances partidários de uma intolerável irresponsabilidade, que está a transformar o Parlamento na arena de uma conflitualidade cada vez mais ritualizada, como se de um mero espectáculo de entretenimento, sem consequências, se tratasse. E para pensar aconselho a recente entrevista de uma notável filósofa francesa, Myriam Revault d’Allones, (Público, 28.04.2024), de onde destaco o seguinte passo, onde se cruza um diagnóstico certeiro com um desafio oportuno: ”As sociedades democráticas são frágeis precisamente porque estão expostas ao confronto de opiniões e de usos, e isso não é uma critica, mas algo muito importante, fraqueza e fragilidade não são a mesma coia, as democracias são frágeis, mas é isso que as torna grandes. (…) A grande dificuldade hoje é o facto de a democracia já não ser vista como desejável por muitos cidadãos dos estados democráticos.”