- . A apresentação dos “desígnios” e “programas” dos vários partidos para as eleições europeias, com destaque para o principais, foram mais uns daqueles momentos de penosa e previsível retórica, tão ritual como vazia, que cada vez mais caracteriza o nosso tão saudado europeísmo.
- . Insisto numa ideia que há muito defendo: o famoso europeísmo português, sempre apresentado como o mais forte da Europa, deve-se simplesmente à conjugação de dois factores: por um lado, à ignorância do que é de facto a União Europeia, nas suas características fundamentais, no seu funcionamento e nas suas consequências. E, por outro lado, ao torrencial fluxo de milhões de euros que de lá vêm quotidianamente desde 1986, que é qualquer coisa à volta de dez milhões de euros por dia!…Que infelizmente é encarada, tanto pelos responsáveis políticos como pela generalidade dos cidadãos, mais como uma espécie de mesada de adolescente do que como um estímulo para o lançamento de projectos ousados e bem estruturados, que finalmente reformassem o país. É por isso que penso que a caracterização do europeísmo como o “ópio dos europeus”, proposta por Tony Corn, tem em Portugal o seu mais eloquente exemplo.
- . Digam o que disserem os partidos, os políticos ou os comentadores (categorias na verdade cada vez mais indiscerníveis) sobre a “enorme” importância das próximas eleições europeias de 9 de Junho, a verdade é que ninguém até hoje deu a este “enorme” qualquer substância real – tudo acabará na mais puída e estafada laracha europeísta, serão eleições nacionais, ponto final. Razão tem, pois, a meu ver, José Pacheco Pereira – que alia à razão a sua experiência como deputado europeu -, quando na sua última crónica (Público, 18.05.2024) diz que as eleições europeias serão sobre a situação portuguesa. É verdade, e é verdade aqui como em quase todos os países, esta Europa sem povo europeu tornou-se numa ficção tão mais mainstream (já ninguém nem o PC ou o Bloco a contestam, todos querem agora “melhorá-la!…) quanto mais opacamente burocrática, e não democrática, se foi tornando. Além, claro, de simultaneamente se ter tornado também no conveniente bode expiatório de todas as incapacidades e fracassos dos governos nacionais.
- . Quem melhor colocou o actual problema europeu, nos seus em termos de verdade foi, J.M.Teixeira Fernandes, ao enumerar os três riscos que a União Europeia corre actualmente e a colocam na posição de maior fragilidade desde a sua criação, em 1958 – o risco militar e de segurança, o risco económico e o risco de conflitualidade interna (Público, 18.05.2024), curiosamente todos eles acentuados pela controversa presidência de Ursula von der Leyen, feita de constantes e perigosos atropelos não só às funções que os tratados lhe atribuem, como às prerrogativas do Conselho Europeu, frequentemente colocado perante factos consumados. Enquanto a Comissão, no seu todo, conhece um inédito apagamento, realmente nunca visto – quem, no “povo europeu”, conhece hoje o nome de algum dos comissários da Comissão Europeia?
- . A Europa vive assim entre a ilusão e a tragédia, ou seja, por um lado, em estado de negação dos seus mais graves problemas; e, por outro lado, numa situação em que só lhe resta continuar porque não se vê qualquer solução para eles – seja (ainda…) os da moeda única, o da panne do crescimento ou o da ausência de segurança, sempre a patinar nas suas opções políticas, nuns casos fingindo agir (no digital, na defesa, na imigração), noutros dizendo não importa o quê ( na energia, no alargamento, na agricultura, na habitação).
- . Ora, nesta situação, sejam quais forem as reservas em relação às políticas de Emmanuel Macron, impõe-se reconhecer que o presidente francês tocou mesmo na ferida quando, depois do seu “discurso da Sorbonne” de 25 de Abril passado, declarou em entrevista à revista Economist que, se a Europa não assumir uma profunda revolução interna que responda aos riscos atrás referidos, corre o risco de entrar numa espiral infernal que a conduza – a expressão é de Macron – à sua morte.
- .Tudo isto reforça a lucidez e a pertinência das perspectivas de homens como Ghislam Benhessa, professor de Universidade de Estrasburgo, que há muito situa na natureza não democrática da União Europeia, na artificialidade do Parlamento Europeu, no esmagamento das soberanias nacionais, na substituição dos direitos dos cidadãos pelos caprichos do hiper-individualismo, na promoção de todo o tipo de minorias, na sacralização dos procedimentos normativos à revelia dos parlamentos nacionais, no cosmopolitismo do “ilimitado” que a impede de definir quaisquer fronteiras, alguns dos factores decisivos da tragédia europeia.(Leia-se o seu recente livro On marche sur la tête)
- . Porque é de uma tragédia que se trata quando se lida com uma situação dramática para a qual não se vê qualquer solução. É o que, rebobinando uma miríade de ilusões, se passa hoje com “a nossa” Europa, parecendo aceitar-se que, como escreveu Walter Benjamin, a catástrofe acontece quando “as coisas seguem os seu curso” – é talvez para isso que servirão as eleições do próximo dia 9 de junho.