2 – TRAUMATISMOS
. É bom ter presente que o abalo sísmico causado pelo regresso de Donald Trump à Casa Branca atingiu sobretudo o Ocidente, e em especial a Europa, já que foram muitos os países e os líderes do “resto do mundo” que se congratularam com o facto, entre posições de apoio e de expectativa. Este é um dado da maior importância, que se deve ler à luz do anti-ocidentalismo que já é hoje maioritário no mundo. Quem não perceber isto – e manifestamente a maioria dos nossos líderes não percebe – não percebe nada.
. Mas do abalo não resultou, até agora, qualquer esboço de estratégia para contrapor ao trumpismo que, pelo contrário, se anuncia como um rolo compressor que tudo quer arrasar…e vai arrasando, sem verdadeira resistência. Isto acontece porque o “regresso do trumpismo” foi – e continua a ser – vivido pelos seus adversários como um choque traumático, como algo que bloqueia a visão, impede a compreensão e entorpece a acção. Situação que se agrava quando, como tem acontecido, esses adversários se colocam uma posição negacionista e defensiva de quem apenas anseia, ainda que inconscientemente, pelo retorno a uma (impossível) normalidade e ao conforto que, a todos os níveis, um tal retorno propiciaria.
. O traumatismo paralisa porque, na sua sismicidade, torna impossível a compreensão entre o antes e o depois, que é – como bem ensinam filósofos como Bergson ou Deleuze – justamente onde se encontra a chave do acontecimento. Porque um acontecimento não é um facto, mas aquilo que marca a ruptura, a diferença na ordem dos factos entre o antes e o depois, ele é a própria mudança em devir, em aberto, que impõe uma confrontação com o desconhecido, com a descontinuidade, em suma, com a contingência.
. E é aí que, há vários meses, a Europa se encontra: paralisada na ordem dos fatos, entrincheirada no biombo da retórica, incapacitada de compreender o acontecimento “trumpismo”, que incessantemente nomeia num penoso ritual de obsessiva esconjuração mediático-política. A questão, a difícil questão, é saber se é possível a um corpo político indolente, burocrático e elitista como tem sido a União Europeia – camuflado em constantes elucubrações retóricas sobre a paz, sobre a democracia, sobre o crescimento, sobre a energia, sobre a burocracia, sobre a segurança e defesa, etc. -, aceder à ordem dos acontecimentos, que é onde se faz a história – mas também, quando se falha esse lance, onde se sai dela…que é precisamente o risco que a Europa corre cada vez mais.
. O seu comportamento no caso da invasão da Ucrânia pela Rússia – já vivido como um trauma, embora de menor sismicidade – leva a pensar que não, que pelo contrário o atoleiro em que a União Europeia transformou a sua intervenção tornou tudo muito difícil, deixando trunfos decisivos nas mãos de Donald Trump. Nomeadamente pela grave confusão que Europa a fez entre o indiscutível apoio a um país invadido, com a defesa de uma modelo de democracia, inexistente nesse mesmo país. Veremos o que na realidade, isto é, muito concretamente, acontece agora, depois do forte clash Trump / Zelensky do dia 28 de Fevereiro, para lá dos consultas e reuniões, das palavras e das fotografias que os líderes europeus multiplicaram nos últimos dias. E já amanhã, dia 6 de Março, há mais uma reunião – “decisiva”, claro! – do Conselho Europeu…
. Em relação ao trumpismo, o que tivemos nos últimos anos foi uma Europa adormecida pela presidência de Joe Biden, cuja vitória em 2020 foi erradamente lida como tendo enterrado definitivamente o trumpismo. Tal facto impediu que se olhasse, como referi atrás, para dados importantes, nomeadamente eleitorais, que aconselhavam muita prudência. Pelo contrário, preferiu-se menosprezar ora diabolizar Trump, hiperbolizar os múltiplos episódios que rodearam a sua nunca reconhecida derrota e mobilizar o retrovisor mediático-político.
. Retrovisor contraproducente, fosse com analogias pueris, a mais frequente e patética foi – é sempre – a da sua comparação com o fascismo, fosse com exercícios de auto-ilusão, lembrando que desde 1988 o Partido Democrático tinha sido o mais votado em 7 das 8 eleições presidenciais anteriores, e ganho no Colégio Eleitoral em 5 delas, e que desde 2016 os democratas tinham conquistado o governo de importantes estados – como o Michigan, o Wisconsin, a Pensilvânia ou o Arizona -, passando de 16 para 24 governadores, e subido tanto na Câmara dos Representantes, de 194 para 213, como no Congresso, de 48 para 51.
. O problema parecia assim, ser apenas Joe Biden, um Presidente desgastado e descredibilizado depois do colapso no debate de junho de 2024, problema que, com a sua substituição por Kamala Harris, se quis dar por resolvido, ignorando-se os trunfos que Donald Trump tinha, nomeadamente o do seu popular combate ao wokismo, que Kamala Harris, com um pesado histórico neste domínio, de resto diariamente assumido em campanha, viria reforçar.
. E a isto juntava-se o poderoso argumentário político elaborado no âmbito da Heritage Foundation, o “Project 2025”, que pouca atenção mereceu apesar de ele estar no site desta fundação desde janeiro de 2023, e que apontava o combate ao wokismo, enumerando as suas múltiplas facetas, como uma absoluta prioridade política. Donald Trump foi dizendo que desconhecia esse documento, mas quase tudo o que fez desde a sua tomada de posse está lá previsto e aconselhado, sendo de realçar que Trump nomeou entretanto diversos membros da Heritage Fondation para funções importantes da sua administração. E muito do “que lá vem” também lá está, é só ir ler…
(Continua – este é o segundo de 3 textos sobre o tema do título)