A EUROPA, CAMPEÃ DE ANÚNCIOS
A União Europeia tem-se tornado, em cada dia que passa, na indiscutível campeã de anúncios sem consequências – ou melhor e em rigor, com consequências bem diferentes daquelas que anuncia. É uma impressão que acompanha a sucessão de relatórios e o carrossel de reuniões dos responsáveis políticos europeus, sob a demagógica batuta de Ursula von der Leyen. Recentemente, foi o anúncio de 800 mil milhões de euros para o Plano Draghi, logo seguidos de outro tanto, sim, outros 800 mil milhões de euros para o (delirante) programa ReArm Europe, tudo como se houvesse uma “árvore das patacas“ em Bruxelas, que a Presidente da Comissão gere imperialmente, com a silenciosa cumplicidade do Conselho Europeu.
Os resultados são, a diversos títulos, graves e preocupantes. É o menos que se pode dizer, a julgar, por exemplo, pelo que se pode ler no recente relatório do Tribunal de Contas Europeu sobre a famosa “bazuka europeia”, criada em 2022 para ajudar a resolver os problemas causados pela pandemia de Covid-19, no valor de 731 mil milhões de euros, a que se juntaram mais 19 mil milhões do programa REPowerEU, para fazer frente à crise energética mundial. Aquele relatório veio há dias dizer que “há poucas informações sobre os resultados e nenhuns sobre os custos reais, que são muitas as situações em que não se sabe como foi aplicado o dinheiro”. Assumindo que toda a execução prevista está bastante atrasada, o Tribunal de Contas Europeu sublinha os riscos do tipo de “mecanismo” criado para a utilização do financiamento “bazukal”, que vão desde pagamentos sem cumprimento das regras e metas estabelecidas, até ao desconhecimento dos destinatários finais dos financiamentos e do seu impacto na economia real.
Entretanto, surgiu mais um anúncio, agora o de uma consulta – até 10 de junho!… – sobre as modalidades da eventual resposta europeia à política tarifária de Donald Trump. Curiosamente, no mesmo dia em que, à margem da bagunça europeia sobre esta sensível matéria, Donald Trump e Keir Starmer assinavam um amplo acordo sobre tarifas, que levou o primeiro-ministro inglês a falar num “dia fantástico, histórico” para o Reino Unido.
UM NOVO ILIBERALISMO?
Fala-se muito de iliberalismo a propósito de Vítor Orban, e de outros líderes políticos que têm vindo a seguir as suas ideias políticas, na Europa e não só. Ele é hoje bem conhecido, mas o mesmo não acontece com um novo tipo de iliberalismo que tem germinado na Europa, em boa parte a pretexto dos chamados “crimes de ódio”. Numa linha de inspiração wokista, mas levando ainda mais longe o seu extremismo persecutório, tem-se assistido a uma constante generalização da criminalização de várias formas de discurso e de opções de linguagem, integrando no “ódio” tudo aquilo que não se quer ouvir – e se pretende censurar.
Yascha Mounk, o conhecido politólogo americano, chamava recentemente a atenção para este fenómeno na crónica regular que publica na revista Le Point, dando múltiplos exemplos de casos extremamente graves ocorridos em vários países europeus, com destaque para a Alemanha e para a Inglaterra. Casos de uma arbitrariedade de raiz totalitária, que se traduz na imposição de pesadas multas, ou mesmo de penas de prisão, em relação a opiniões, às vezes simples frases, expressas por cidadãos em relação às mais diversas matérias ou pessoas.
Como se sabe, temos entre nós quem defenda este caminho, mas a União Europeia parece agora também querer impô-lo, ao defender – como fez recentemente – que o chamado “discurso de ódio” passe a integrar a lista dos “crimes europeus”. Razão tem pois Yascha Mounk ao afirmar que na Europa “as restrições à liberdade de expressão ultrapassaram há muito o quadro de um desacordo razoável: elas são hoje tão vastas que todos os argumentos clássicos contra a censura de Estado lhe são plenamente aplicáveis.”
(Escusado será referir que o cerco que se está a fazer ao partido alemão AfD, que foi o 2º mais votado, com um pouco mais de 20% dos votos nas eleições de fevereiro último, no sentido de se decretar a sua proibição, releva da gangrena totalitária que, a pretexto da sua defesa, apenas contribui para destruir a democracia.)
A INFALIBILIDADE DA CENSURA
Como em meados do século XIX bem explicou J. Stuart Mill, toda a pretensão de restringir a liberdade de expressão se baseia numa presunção insustentável e injustificável: a da infalibilidade da censura. Além disso, a história mostra bem que censurar ou ostracizar aquilo ou aqueles de que se discorda não leva à sua erradicação. Muito pelo contrário, como bem se viu com o caso do partido Chega, que “chegou onde chegou” em boa parte graças aos constantes e sempre pouco inteligentes anátemas de Ferro Rodrigues e de Augusto Santos Silva ao seu líder. Como Thimothy Gordon Ash mostrou de um modo bem documentado, no livro Free Speech, não existe qualquer correlação entre a legislação contra os “discursos de ódio” e a sua efectiva diminuição. E a haver alguma, ela vai é no sentido contrário, bastando lembrar que antes da chegada de Hitler ao poder a legislação alemã estava inundada de leis que sancionavam os “discursos de ódio” – e o resultado foi o que se sabe.
Não há volta a dar: a democracia só existe e só se reforça no efectivo confronto de ideias diferentes, de opiniões contrárias, de perspectivas rivais e de visões alternativas, o que torna imperativo defender não só a mais completa liberdade de expressão daqueles de quem mais se discorda, mas também a mais integral liberdade de eles serem ouvidos por todos os que o queiram fazer. É talvez altura de lembrar a máxima que John Kennedy repetia frequentemente: “A liberdade é indivisível”.