OPORTUNIDADES PERDIDAS

VERDADES CRUÉIS

. A propósito dos 40 anos da adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia, agora – depois de mil vicissitudes – União Europeia, foram muitos os balanços que se fizeram, em geral em tom jubilatório. Júbilo que, contudo, decorre de duas ordens de razões bem distintas: uma é evidente, ela resulta da comparação do estado do país em 1985 e em 2025, em infraestruturas, mortalidade infantil, saúde, educação, etc. Mas a outra é mais camuflada, ela consiste em, desde então, termos vivido literalmente rebocados pela Europa, sem projectos ousados nem ambições próprias, consolados com a espécie de “mesada de adolescente” em que – como há muito digo – para os portugueses se tornaram os Fundos Europeus. Somos um dos países que mais fundos têm recebido da Europa, na ordem dos 10 milhões de euros por dia – sim, sim por dia! – até ao Covid, bem mais do que isso depois, com a famosa “bazuca” e o Plano de Recuperação e Resiliência – no total, estamos a falar de cerca de 180 mil milhões de euros, valor que permite avaliar bem a dimensão das oportunidades perdidas.

. E se ninguém duvida do papel nos progressos feitos nas áreas acima referidas, é hoje evidente a incapacidade dos vários governos destes 40 anos em orientar estrategicamente os financiamentos disponíveis para as decisivas áreas da inovação e da qualificação – tanto das pessoas como das instituições e do território – , com uma visão de futuro que cruzasse a economia e a cultura, com metas ambiciosas que nos tirassem da cauda da Europa. Porque é lá que continuamos, divergindo nos últimos 20 anos de importantes médias europeias, facto que é sempre escamoteado por todos os governos, que repetem, em cada etapa, que “os fundos” serão a “última oportunidade” para o país. E temo que assim continue a ser… até que todas as oportunidades realmente desapareçam.

. A verdade é que, para lá dos fundos europeus, a Europa não existe no espaço público nacional, indiferente a tudo o mais, nomeadamente à multiplicidade de crises que a União Europeia enfrenta, a única excepção decorre hoje – sobretudo devido à novela mediática a que deu origem – da guerra Ucrânia/Rússia. E, contudo, há “verdades cruéis” a enfrentar, como recentemente escreveu no Le Monde ZaKi Laidi, que destaca quatro: a primeira, é que a Ucrânia está em perigo tanto no plano político como no militar. A segunda, é que é inútil esperar qualquer apoio dos EUA, porque a única coisa que Trump quer é desembaraçar-se da Ucrânia e marginalizar a Europa. A terceira, é que a Europa não é tão forte nem está tão unida que lhe permita apoiar eficazmente a Ucrânia. E finalmente, a quarta cruel – e tão ignorada – verdade, é que o resto do mundo não se mostra solidário com a Europa, situação que se agravou com o hipócrita silêncio europeu sobre a situação de Gaza, e a sua paralisia perante o massacre perpetrado por Israel, sob o comando de Benjamin Netanyahu.

A EUROPA, DA BUROCRACIA AO AUTORITARSMO

. Escolhemos, há cerca de um ano, os nossos 21 deputados e deputadas ao Parlamento Europeu. E eu pergunto: já alguém ouviu, da parte de algum deles, algo de significativo ou relevante sobre a situação europeia ou mundial? Não, nem uma só palavra, quando falam, é sempre acicatados pelas suas ambições nos quadro da situação interna portuguesa e o seu mais ou menos mesquinho jogo de interesses. O que dá um bom retrato da “democracia” europeia, tema sobre que se devia pensar um pouco mais, inquirindo que democracia é esta em que os poderes da Presidente da Comissão aumentam sem parar, atropelando o Conselho Europeu sem pejo, impondo cada vez mais aos países as “reformas” que eles têm de fazer, controlando cada vez mais o modo como cada país apoia as suas empresas, etc., etc., etc.

Não esquecendo que o seu maior poder é o de propor leis para os 450 milhões de europeus, o que se tem traduzido numa torrencial média de 130 directivas e regulamentos por ano, enquanto o Parlamento Europeu está impedido de o fazer, ele apenas pode votar o que lhe é proposto, o que dá à Comissão Europeia mais poder do que o de qualquer administração nacional da União Europeia. É tema para voltar noutra ocasião, mas tudo indica que a União Europeia caminha aceleradamente, não para atenuar, mas para agravar o seu colossal défice democrático, transformando-se num monstro cada vez mais burocrático, mais tecnocrático e mais… autoritário.

COM JOSEP BORRELL

. Foi procurando pensar, na medida das suas possibilidades, estes problemas, que o BEIRA – Observatório de Ideias Contemporâneas Azeredo Perdigão, com sede em Viseu, organizou no passado dia 31 de Maio uma colóquio sobre a actual situação política europeia, depois de, com o mesmo espírito, já ter abordado temas como a democracia (com Daniel Innnerarity), a Inteligência Artificial (com Maurizio Ferraris) , o hiper-individualismo (com Gilles Lipovetsky), o transumanismo (com Jean-Michel Besnier), tendo previsto para setembro uma sessão sobre Os Novos Populismos e, para novembro, uma outra sobre As Metamorfoses do Espaço Público.

. Desta vez o orador principal foi Josep Borrell, que fez uma notável intervenção sobre a situação europeia, onde expôs as ideias que defendeu no relatório Uma Bússola Estratégica, um documento estratégico que em 2022 elaborou como Alto Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, funções que desempenhou entre 2019 e 2024. Nele se encontram bem diagnosticadas as raízes das fragilidades europeias e as medidas a tomar para as ultrapassar, o que, com algum humor, diversos exemplos e muito conhecimento dos interstícios da “máquina” europeia, Josep Borrell lamentou não ter sido feito, traçando um retrato impiedoso da impotência europeia.

. A verdade é que o destino da União Europeia está hoje em risco, num mundo em profunda transformação em que ela conta cada vez mais menos, situação que os dirigentes políticos europeus parecem ignorar. Como recentemente escreveu Jacques Attali, o maior risco que a Europa corre hoje resulta da “incúria, num momento tão crucial, da alucinante invisibilidade do Presidente do Conselho Europeu (..), da vontade imperial da Presidente da Comissão em controlar tudo, de bloquear todas as iniciativas que não sejam as suas e de instrumentalizar os serviços. E, sobretudo, da ausência por parte dos dirigentes nacionais e dos povos europeus, de uma efectiva consciência da extrema urgência da situação.”

Nem mais.

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